Residência Artística ID POOL - Porcelana Vista Alegre

De outubro a dezembro de 2013 participei da residência artística ID POOL na Fábrica de Porcelana Vista Alegre. Esta foi a quarta residência artística que participei naquele país, e a segunda na Vista Alegre, onde eu já havia participado em 2011 da residência “Projecto Artistas Contemporâneos”.

Durante a atual residência, além de desenvolver meu trabalho autoral, incorporando elementos e materiais da fábrica na minha pesquisa corrente de trabalho, como por exemplo a série “V.A.”,  produzi duas séries de imagens que serão incorporadas às peças da Porcelana Vista Alegre.

Nestes desenhos foram usadas folhas de prova de impressão do setor de produção de decalques da Porcelana Vista Alegre, decalques estes que são usados na decoração das peças de porcelana. Estas folhas são usadas repetidas vezes de forma aleatória, e com a superposição das várias provas de impressão, vão sendo criados novos e intricados padrões. Em meio aos resultados das impressões, redesenhei elementos do universo masculino obtidos de manuais de fisioculturismo antigos, desde a década de 1930 até a década de 1950.

V.A. (um bongo 3)
naquim e acrílica sobre serigrafia em papel de prova de impressão para produção de decalque
2013 | 29,7 x 21 cm

Também criei peças originais para comercialização pela Porcelana Vista Alegre, peças estas que apresentam aspectos de meu vocabulário artístico pessoal. A decoração de porcelana foi o primeiro elemento do universo aceito como feminino que usei em meus trabalhos da série Macho Toys, em justaposição aos estereótipos de masculinidade e virilidade.

Durante a residência na Porcelana Vista Alegre procurei conciliar minha produção autoral com o imaginário tradicional da fábrica. Procurei criar peças de intensa beleza, mas ainda assim manter a dialética da minha produção em arte.


Aplicação dos decalques criados por mim em peças da Porcelana Vista Alegre

Ao invés de usar armas de fogo, soldados contemporâneos, entre outras imagens comumente encontradas em minha obra, fui buscar no passado remoto imagens de guerreiros e suas armas, uma vez que o uso de imagens antigas, de séculos passados, é uma prática recorrente na Porcelana Vista Alegre.



É curioso notar como pela distância no tempo estas imagens não são mais percebidas de forma geral como brutais e ameaçadoras, embora em essência o sejam, e destinavam-se a ser assim, mas muito pelo contrário, são vistas como imagens nostálgicas de um tempo de maior heroísmo e honradez que o atual.

Na residência artística criei duas séries de trabalhos: Armi dell'Arte e Turnierbuch.


As imagens usadas no projeto Armi dell'Arte são xilogravuras que ilustram o livro “Opera Nova dell'Arte delle Armi”, de autoria do italiano Achille Marozzo (1484-1553), publicado em 1536 em Modena, e atualmente no acervo da Biblioteca Estadual da Baviera, Alemanha, que gentilmente me deu permissão para o uso das imagens. Este livro é considerado uma das obras mais importantes sobre esgrima e os rituais dos duelos judiciais na Itália no século XVI, e atualmente o trabalho de Marozzo vem sendo estudado por vários grupos de Esgrima Histórica em diversos países.


Sobre as imagens dos lutadores de esgrima, apliquei uma exagerada quantidade de padrões decorativos antigos do período vitoriano, principalmente florais, mas também insetos e aves, que eram comumente usados pelas mulheres em seus "scrapbooks", junto com fotos de família, cartões postais, etc.


Já as imagens usadas no projeto Turnierbuch são ilustrações pintadas à mão do livro “Turnierbuch - Kopie nach dem Original von Hans Burgkmair”, de autoria de Hans Burgkmair, publicado por volta de 1540, e criado como uma forma de propaganda em tributo aos triunfos do Imperador Maximiliano I. Este livro também se encontra no acervo da Biblioteca Estadual da Baviera, que igualmente deu permissão para o uso das imagens. A procissão imaginária retratada nas ilustrações representa as aspirações, realizações e interesses do Imperador. São apresentados os membros do corte: caçadores, funcionários judiciais, músicos, palhaços, mascarados e homens de que simbolizam os diferentes tipos de torneios.


Para o projeto, selecionei algumas imagens de cavaleiros e soldados. Às imagens dos cavaleiros e soldados, apliquei ilustrações antigas (período vitoriano) de diversos pássaros. A ideia de usar os pássaros partiu do fato de já haver nas ilustrações um curioso uso de aves (entre outros símbolos) como elementos alegóricos.

Residência Artística Oficina da Formiga

No final de 2013 eu tive a incrível oportunidade de fazer uma Residência Artística na Oficina da Formiga, uma cerâmica que fica em Ílhavo, Portugal, fundada em 1992 por Jorge Saraiva, que trabalha na área há mais de 20 anos. Esta foi a quinta residência artística que participei naquele país.

Jorge Saraiva - foto: Oficina da Formiga

Fábio Carvalho - foto: Oficina da Formiga

Nesta residência eu pude aprender e explorar as técnicas e métodos portugueses tradicionais da pintura com estampilha (estanhola, stencil ou molde vazado) em faiança sobre peça chacotada com vidrado cru, surgidas no século XIX, e há muito desaparecidos, não mais adotados nas indústrias com produção em larga escala. A Oficina da Formiga é uma das poucas cerâmicas, senão a única, que de forma corajosa preserva e dá continuidade a estas técnicas.

Primeiramente fiz uma experiência de "colagem" do acervo de estampilhas da Oficina da Formiga, combinando diversas estampilhas de vários padrões decorativos tradicionais, tendo como base o homem de um casal de dançarinos.


Medalhão Parolo

A seguir, pensando nos tradicionais pratos de faiança portuguesa com figuração humana, e nas figuras de convite da azulejaria portuguesa, criei um desenho original a partir da ideia já explorada nos bordados "Monarcas" e em "Paraíso Monarca". Fiz a separação das cores que seriam usadas, que depois foram passadas para o papel especial (película poliéster) para a abertura das respectivas estampilhas.


Fábio Carvalho e Jorge Saraiva abrindo as estampilhas.
 foto: Oficina da Formiga

Depois de abertas as estampilhas, foram pintadas as peças com vidrado cru. Nos dias que se seguiram, fiz uma variação da primeira estampilha que criei, depois variações nas cores usadas, e por fim, uma combinação dos dois conjuntos de estampilhas que criei na Oficina da Formiga, dando origem a 4 desenhos diferentes, num total de 8 peças pintadas. Todas as bordas pintadas nos medalhões são do acervo da Oficina da Formiga, e são padrões tradicionais da faiança portuguesa, caprichosamente recuperados pelo Jorge Saraiva. Nestas eu fiz modificações de cor de forma a dialogarem melhor com os soldados no centro da peça. As bordas que escolhi, apesar de serem sempre representações florais, pareciam ao mesmo tempo arame fardado e borboletas, flores e certo tipo de elementos usados em trincheiras, etc.

Dia a dia na Oficina da Formiga

Depois desta experiência passei a ter ainda mais respeito e admiração pelo trabalho dos mestres do passado. Mesmo hoje em nossos dias, com tantos aparatos tecnológicos, fornos elétricos de temperatura constante e bem controlada, pigmentos, vernizes e vidrados industriais com precisão de laboratório, materiais especiais para confecção das estampilhas, é sempre um enigma e uma surpresa o que vai sair dos fornos. Imaginem no tempo em que tudo era mais precário e intuitivo.